‘A gente está dez passos atrás, sempre’, afirma empresária que quer inspirar mulheres negras


Em um mercado majoritariamente masculino e onde o racismo ainda é muito presente, Janaina Assis conseguiu se destacar e há quase quatro anos comanda a empresa de câmbio que fundou em Mogi das Cruzes. Empresária fala como é ser uma mulher negra em um cargo de liderança
Desde que começou a trabalhar em uma corretora no aeroporto de Guarulhos, Janaina Assis, 43 anos, percorreu um longo caminho dentro das instituições financeiras até que abrisse sua própria empresa de câmbio, há três anos, em Mogi das das Cruzes, na Grande São Paulo.
Sendo uma mulher negra, a empresária enfrentou muitas dificuldades para que pudesse, ao menos, ser escutada. Neste Dia da Consciência Negra, ela conta ao g1 como é ocupar um cargo de liderança e como vê o cenário atual de um mercado que ela afirma continuar racista.
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Em um setor que também é majoritariamente masculino, Janaina se esforçou ainda mais para que conseguisse promoções. O esforço a levou a comandar equipes e ser chamada para atuar em outras empresas. Ainda assim, as situações em que o racismo era evidente foram muitas.
A empresária não esquece de um episódio em uma instituição financeira onde trabalhou em que tinha o conhecimento da área, dos produtos, dos serviços, da equipe e estava se preparando para aplicar um treinamento que seria presencial e também por vídeo. Mas foi surpreendida quando pediram para que ela ensinasse o conteúdo para outra pessoa – que era branca – e seria a “cara do banco” no lugar dela.
“Essa foi uma das piores situações que passei. A gente está dez passos atrás, sempre. Sempre se provando para, pelo menos, ter uma oportunidade de se fazer ouvir”, lamenta Janaina.
Janaina Assis se destaca no mercado financeiro
Divulgação
Superando as barreiras impostas pelo preconceito, em 2021 Janaina Assis conseguiu abrir sua própria casa de câmbio, em sociedade com Diego Zia, o que fez com que ela crescesse financeiramente. Essa mudança, segundo ela, não significa nada aos olhos dos racistas.
“Essa questão de melhorar a situação financeira é a mais curiosa e mais complexa, porque nesse universo, quando a gente fala do racismo, não adianta ser bem sucedida, ter condição financeira boa, até muito melhor do que a que tinha antes, porque é como se houvesse uma falta de aceitação”.
A empresária afirma que percebe os olhares de preconceito em alguns lugares onde circula. “Se eu vou em um shopping de alto padrão, se eu vou almoçar com um cliente ou até comprar algo, já é uma situação desconfortável, porque te olham como se você não pudesse estar ali”, completa.
E por mais que essas situações ainda sejam presenciadas por Janaina, ela acredita que chegar onde chegou é uma esperança para que ela possa contribuir de forma positiva para que outras mulheres negras possam se enxergar e encontrar uma inspiração para que também sejam bem sucedidas.
“Infelizmente é um caminho muito longo, principalmente quando falamos em racismo estrutural. O cenário tem mudado, com mais mulheres negras em cargos de liderança, mas isso vem incomodando e acho que é muito triste. O que precisamos é pegar isso como lição e seguir em frente para que outras mulheres tenham as mesmas possibilidades, mas com menos sofrimento”.
Legado para a filha
Nascida em Ferraz de Vasconcelos, Janaina foi mãe adolescente, aos 15 anos de idade. Ainda assim, deu continuidade aos estudos e, aos 23 anos, foi trabalhar em uma casa de câmbio no Aeroporto de Guarulhos. Sem ter nenhum conhecimento sobre o setor, lembra que ficou duas semanas chorando, porque não sabia o que fazer.
“Câmbio para mim era algo muito distante, eu entendia apenas que era comprar dinheiro para viajar. E logo de cara me entregaram seis malotes de dinheiro, que eu tinha que contar e jogar no sistema. Era de madrugada, eu não tinha para quem pedir ajuda, mas comecei a aprender e estudei muito”, conta.
Em apenas três meses, ela foi transferida do caixa para a mesa de operações. Janaina se empenhava para fazer o trabalho demandado, mas também para tirar o melhor de situações difíceis. Depois dali, o crescimento foi inevitável.
Ela chegou a comandar equipes de quase 30 pessoas e passou por outras quatro instituições financeiras até que em fevereiro de 2021 fundou a própria empresa especializada em intermediar operações de câmbio. Agora, a filha dela, Rebeka Assis, que é advogada, é a diretoria jurídica da empresa.
“Com certeza a minha filha foi a responsável por eu entender que não poderia apenas passar pela vida, que eu precisava deixar uma marca e um legado principalmente para ela. Hoje tenho muito orgulho de poder contar com ela trabalhando comigo”.
Em quase quatro anos de atividades, a instituição financeira comandada por Janaina trabalha com grandes empresas de importação e exportação e atua com tudo que diz respeito à câmbio. A empresária é responsável por uma equipe de 14 colaboradores no Brasil e um na Califórnia.
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