‘Uso da força por agentes públicos deve ser escalonado’, diz especialista em direitos humanos sobre ações de GCMs com armas não-letais


Em Mogi das Cruzes, Bruno Henrique Gonçalves perdeu a visão do olho esquerdo após ser atingido por uma bala de borracha no último dia 16, em ação da Guarda Municipal de Mogi das Cruzes. Segundo o secretário de Segurança de Mogi, Toriel Sardinha, o protocolo de segurança de uso de arma não-letal foi seguido durante a operação. Fragmentos da bala de borracha
Fernando Moreira/Buritis News
As armas não-letais, como balas de borracha, spray de pimenta e gás lacrimogênio, são algumas das alternativas utilizadas em ações das forças de segurança, como Polícia Militar e Guardas Civis Municipais, para substituir as munições de maior potencial de risco à vida. No entanto, estes armamentos, ainda assim, podem provocar lesões que deixam marcas permanentes.
Segundo Adilson Paes de Souza, tenente-coronel aposentado da Polícia Militar, doutor em psicologia escolar e do desenvolvimento humano e mestre em direitos humanos pela Universidade de São Paulo (USP), o “uso da força por agentes públicos deve ser escalonado”.
Em Mogi das Cruzes, o jovem Bruno Henrique Gonçalves perdeu a visão do olho esquerdo após ser atingido por uma bala de borracha no dia 16 de agosto, na região central da cidade, em uma ação da Guarda Civil Municipal.
Segundo o secretário de Segurança de Mogi, Toriel Sardinha, o protocolo de segurança de uso de arma não-letal foi seguido durante a operação. A Prefeitura de Mogi das Cruzes informou por nota que lamenta o ocorrido e segue apurando os fatos para determinar as responsabilidades e providências, assim como segue à disposição da vítima. (veja a nota completa abaixo)
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Balas de borracha
As balas de borracha são um dos tipos de armas não-letais utilizados pelas polícias e guardas civis municipais, como a Ronda Ostensiva Municipal (ROMU), equipe tática da GCM de Mogi das Cruzes. Essas munições são compostas de elastômero, um polímero que apresenta propriedades elásticas.
Segundo Adilson Paes de Souza, tenente-coronel aposentado da Polícia Militar, doutor em psicologia escolar e do desenvolvimento humano e mestre em direitos humanos pela Universidade de São Paulo (USP), as armas não-letais foram pensadas justamente para atingir determinadas regiões do corpo para provocar lesões, mas não lesões graves, desde que os disparos sejam direcionados a partes menos sensíveis do corpo. “Dependendo da região que atinge o local do corpo, pode matar ou se não mata, pode causar uma lesão grave”, explica o pesquisador.
Ele ainda afirma que os armamentos menos letais devem ser empregados apenas em contextos que buscam vencer a resistência do oponente ou dispersar uma multidão, sempre tendo em vista o menor dano possível.
“Para tanto, existem protocolos, e os protocolos prescrevem, estabelecem que você não pode utilizar, por exemplo, no caso da bala de borracha, em direção a órgãos sensíveis. Por exemplo, cabeça. Não pode. Ela é concebida pra atingir regiões menos sensíveis do corpo humano. Coxa, perna, braço, justamente pra vencer a resistência do oponente, pra dispersar uma multidão, um grupo de pessoas, e pra efetuar a prisão. Pra isso que foram concebidas as armas ou equipamentos menos letais. Contudo, a gente tem visto forças de segurança ou Polícia Militar, Guarda Municipal, eles têm usado de uma maneira equivocada. Por exemplo, atirando em direção à cabeça da pessoa. E aí acaba tendo mais incidentes, mais ocorrências como essa que a pessoa perdeu a visão. O fato de ter atingido a visão do rapaz indica claramente que o protocolo não foi seguido. Eu não conheço especificamente o protocolo da Guarda de Mogi, mas eu posso inferir que eles estão seguindo, eles copiaram o protocolo da Polícia Militar, que eu conheço”, explicou.
Uso proporcional de força
Um vídeo que circula nas redes sociais mostra um homem fardado com o uniforme da Guarda Civil de Mogi das Cruzes atirando em uma rua no bairro Parque Monte Líbano, no dia em que Bruno Henrique foi baleado. O jovem passou por cirurgia no olho esquerdo, mas mesmo assim acabou perdendo a visão.
Bruno Henrique Gonçalves perdeu a visão do olho esquerdo após ser atingido por bala de borracha em Mogi
TV Diário/Reprodução
O pesquisador aponta que as ações das polícias e GCM que demandam o uso da força e armamento devem ser guiadas através de uma escala proporcional ao que o contexto exige.
“Primeiro, a Guarda deve mostrar para a população, através da imprensa, vocês devem ter acesso e publicar o protocolo que, segundo eles, foi seguido e está correto. Transparência. Segundo, seguir o protocolo, e se seguisse o protocolo, pelo que eu conheço, não aconteceria esse tipo de lesão. Terceiro, o uso da força por agentes públicos deve ser escalonado, o que chamamos de proporcionalidade. Mesmo o equipamento não-letal, ele não deve ser usado de pronto. Existe um caminho ascendente do uso, na proporção do uso da força. Me parece que não foi seguido”.
Em entrevista ao Diário TV, o secretário de Segurança de Mogi Toriel Sardinha afirmou que, após analisar as imagens de câmeras de monitoramento do município, o guarda que efetuou os disparos no dia em que Bruno Henrique foi atingido não será afastado. No entanto, o pesquisador acredita que a GCM deveria adotar uma postura diferente diante deste caso.
“Esse guarda deveria ser afastado, o protocolo ser revisto e o Ministério Público deveria atuar, exigindo esse protocolo e exigindo mudança nesse protocolo. E penalmente falando, quem efetuou o disparo, se identificado for, deve responder por lesão corporal de natureza grave. Se o comandante deu ordem direta, há aí um espaço pra ele responder também. Contudo, civil, há uma indenização que esse jovem deve receber, onde o município deve ser condenado a pagar essa indenização, abrir uma ação cível de indenização contra o município pra indenizar civilmente esse rapaz, no que for possível. Porque nada consegue reparar, substituir um olho, infelizmente. Importante o Ministério Público atuar com destreza e rigor nesse caso”.
Em nota, a Prefeitura de Mogi das Cruzes disse que lamenta o ocorrido e segue apurando os fatos para determinar as responsabilidades e providências, assim como segue à disposição da vítima.
Sobre o uso de armas não-letais, Prefeitura destacou que a Guarda Municipal adota todos os protocolos de utilização empregados pelas forças de segurança e os guardas passam por treinamento contínuo oferecido pela corporação.
“É importante frisar que a Polícia Civil investiga o caso, assim como existe uma sindicância em andamento por parte da Secretaria Municipal de Segurança – são esses os instrumentos oficiais de investigação que indicarão as circunstâncias do que ocorreu.”
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