Da tela molhada com água às grandes salas: conheça a mudança do cinema na Mogi das Cruzes de 463 anos


Nesta sexta-feira, aniversário da cidade, o g1 te convida a conhecer como o crescimento do município aliado ao avanço da tecnologia mudou a forma de assistir a um filme em Mogi das Cruzes. Cine Carlos Gomes foi aberto em 1917 no Centro de Mogi das Cruzes
Memória Fotográfica de Mogi das Cruzes/Reprodução
A Mogi das Cruzes que completa 463 anos nesta sexta-feira (1º), não lembra em nada a cidade descrita por Isaac Grinberg no livro Mogi das Cruzes do Meu Tempo.
“A cidade de Mogi das Cruzes dos anos trinta era apenas um pequeno quadrilátero de ruas estreitas e de pouco movimento. Ia da rua tenente Manoel Alves até a Santa Casa. E da rua Ipiranga até a estação da estrada de ferro Central do Brasil, além da qual havia poucas ruas e travessas no que se chamava de “pra baixo da linha”. Além desse quadrilátero, que era a cidade propriamente dita, algumas ruas tinham prosseguimento, praticamente sem casas, mais como estradas, a ligar a cidade a outros pontos.”
A Mogi de 2023, tem 449.955 habitantes e uma área urbana de 75 quilômetros quadrados. A cidade se espalhou pelos oito distritos: Central, Jundiapeba, Brás Cubas, César de Sousa, Sabaúna, Biritiba Ussu, Taiaçupeba e Quatinga.
O crescimento de Mogi aliado ao avanço da tecnologia fez a vida social da cidade mudar muito. Mas um costume que não se modificou com o tempo é o hábito do mogiano de ir ao cinema.
As salas de exibição de até 3 mil lugares saíram de cena e as estrelas agora são os cinemas dos shoppings. Em um dos centros de compras as salas de exibição levam o nome de antigos cinemas de Mogi das Cruzes: Urupema, Avenida, Odeon e Cine Parque.
Luz, Câmera, Ação
O jornalista Francisco Ornellas, o Chico Ornellas, é um observador atento das mudanças pelas quais a cidade passou ao longo das últimas décadas. Além da produção jornalística sobre a cidade, ele publicou o livro Urupema, Um passeio Histórico por Mogi das Cruzes.
Na memória Ornellas traz não só informações, mas detalhes que permitem entender a importância das salas de projeção para a vida social da Mogi das Cruzes de antigamente.
Ornellas conta que o grande empreendedor de cinema em Mogi das Cruzes foi Joaquim de Melo Freire. Em 7 de setembro de 1909, a empresa J.Mello Freire & Irmão inaugura o segundo cinema da cidade, Parque Mogyano. O espaço ficava nas atuais ruas Ricardo Vilela, Padre João, Manoel Caetano e Major Pinheiro Franco e tinha 720 lugares.
Portão do Cine Parque em Mogi das Cruzes
Arquivo Pessoal/Chico Ornellas
De acordo com o jornalista o novo empreendimento fez com que os proprietários do único cinema da cidade, o Rio Branco, providenciassem sua reforma. A reabertura foi em 1917 já com o nome de Cinema Carlos Gomes. Ele ficava na rua Braz Cubas em frente ao espaço onde hoje está a Praça Oswaldo Cruz.
“O Parque Mogyano foi o embrião da principal empresa do setor na cidade no século passado. A partir dele, com a constituição da sucessora Cinematográfica Mello Freire Borenstein S.A., agregou-se aos ativos da companhia o Cine Odeon”, lembra Ornellas.
O Odeon foi fundado em 1936 por Armindo Faustino de Melo e Faustino Cardoso e ficava em um prédio na rua Ricardo Vilela em frente a Praça Oswaldo Cruz. Atualmente o prédio é ocupado pelo Ciarte da Prefeitura.
Ciarte ocupa hoje prédio onde ficava o Cine Odeon na Rua Ricardo Vilela em Mogi das Cruzes
Montagem (Arquivo Pessoal/ Chico Ornellas e Ralph Siqueira)
O jornalista destaca que os dois grandes cinemas de Mogi das Cruzes, Urupema e Avenida, surgem com o fim da 2ª Guerra Mundial. “Os dois cinemas são de 47, era um novo mundo que respirava…cinema era a principal atividade social da cidade. Era o ponto de encontro”, afirma Ornellas. Ele lembra ainda do “footing” na Praça Oswaldo Cruz, quando as moças andavam de braços dados em um sentido e os rapazes caminhavam no sentido contrário. “Tudo favorecia a convivência comunitária.”
Os detalhes do Urupema não saem da memória do jornalista. “A majestosa fachada, as bilheterias, sala de espera, bomboniere e sala de projeção com perto de 3 mil lugares, era a maior do interior de São Paulo. E reservou espaço, no pavimento superior, para o salão do Itapeti Clube”, descreve.
O Urupema era da Cinematográfica Mello Freire Borenstein. Joaquim de Melo Freire empreende no Urupema tendo como sócio o genro Hélio Borenstein.
No século XXI, os dois continuam ligados a história dos cinemas de Mogi das Cruzes. Isso porque o novo centro de compras da cidade, o Patteo Urupema é da empresa do neto de Melo Freire e filho de Hélio Borenstein, Henrique Borenstein. O centro de compras tem ainda em suas salas de cinema uma homenagem aos cinemas antigos da cidade. As salas têm o nome de Urupema, Avenida, Odeon e Cine Parque.
Igreja evangélica funciona no prédio do antigo Urupema que deu nome a novo shopping. Facha do centro de compras lembra o prédio do antigo cinema.
Montagem (Arquivo Pessoal/ Chico Ornellas e Ralph Siqueira)
Já o Avenida foi idealizado pela empresa J.&Carvalho Ltda. O jornalista destaca que o prédio do Avenida foi projetado para ser um cinema e tinha quase 2 mil poltronas estofadas.
Ornellas lembra ainda do Cine Vera Cruz da mesma empresa do Avenida e que foi inaugurado em 1953, na Rua Cândido Vieira. Outra lembrança do jornalista eram as sessões especiais de filmes. “Quarta-feira no Odeon tinha sessão especial para a colônia japonesa. Eram filmes em japonês sem legenda.”
Prédio do Cine Avenida é ocupado atualmente por igreja evangélica
Montagem (Arquivo Pessoal/ Chico Ornellas e Ralph Siqueira)
Curiosidades
Outro jornalista que também retratou a cidade em várias obras foi Isaac Grinberg.
No livro Mogi das Cruzes do Meu Tempo ele fala sobre a história dos cinemas e também sobre procedimentos e costumes peculiares das salas de projeção que de longe eram bem diferente das de hoje.
“Em vários pequenos intervalos durante a apresentação dos filmes a tela era molhada com água para evitar incêndio. Apesar desse cuidado, entretanto, em 24 de maio de 1924 grande incêndio quase destruiu o Cine Carlos Gomes. “Exibia-se a fita ‘Amor por uma rainha’ quando o fogo irrompeu na cabine, sendo combatido com baldes de água. Ninguém se feriu.”
Em outro trecho do livro, Grinberg entrega que algumas famílias tinham assento reservado no Cine Parque.
“…cadeiras de assento de taboa, uma espécie de fibra muito usada para esse fim. O interessante é que as cadeiras traziam no espaldar o nome da família. Esses nomes eram respeitados e só os donos nelas se sentavam.”
Cinemas antigos eram a efervência da vida social de Mogi das Cruzes
Chico Ornellas/Arquivo Pessoal
O autor mostra que no final dos anos 30, os mogianos dividiam os dias da semana entre os cinemas da cidade.
“Nesse tempo a gente ia ao cinema pelo menos quatro ou cinco vezes por semana: domingo, 3ª, 5ª e 6ª no Odeon e domingo na matinê do Parque.”
E durante as sessões não podiam faltar as guloseimas.
“Uma figura característica das sessões de cinema era o baleiro que antes do filme começar e durante o intervalo andava pelos corredores da sala de exibição com um tabuleiro cheio de balas e chocolates para vender.”
Grinberg mostra que o público que ia ao cinema, enfrentava um ritual antes de assistir ao filme.
“Uma sessão completa apresentava: Jornal Nacional, Jornal Internacional, Desenho Animado, Documentário e, afinal, o filme do dia.”
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