Da Grande SP para Howard: conheça história do ‘carteiro poeta’ que fará palestra em universidade dos EUA


Cleyton Mendes, de Poá, recebeu um convite por uma rede social para palestrar na Universidade de Howard, dos Estados Unidos. Reunião acontece nesta segunda-feira (25), às 12h10, por meio de uma plataforma de vídeo. Cleyton Mendes, de Poá, esteve nos Estados Unidos em 2023
Arquivo Pessoal
“O corre não para, não pode parar, mas nossas vitórias nós merecemos sim celebrar”. Essa é a rima que o poeta Cleyton Mendes, morador de Poá, na Grande São Paulo, escreveu em um post de comemoração nas redes sociais, após ser anunciado como um dos palestrantes da Faculdade de Artes e Ciências (COA) da Universidade Howard, em Washington, nos Estados Unidos.
Com o tema “Poesia com Poder: Slam Poetry & Social Justice”, a reunião acontece nesta segunda-feira (25), às 12h10 (horário de Brasília), por meio de uma plataforma de vídeo. Segundo o artista, a aula aberta será totalmente em inglês, mas todos podem participar.
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Cleyton em frente ao mural do filme “Faça a Coisa Certa”, do diretor Spike Lee, no Brooklyn, em Nova Iorque
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Cleyton Mendes, de 31 anos, conta que cresceu cercado de poesia, mesmo sem saber. A percepção veio somente aos 22 anos, quando ele participou de um sarau. “Eu cresci escutando as músicas dos Racionais MC’s, Partido Alto… Cresci cercado de arte, mas eu não enxergava porque eu achava que poesia era somente aquela literatura engessada, que não dialogava com a minha história, que ficava apenas nos livros, distante, trancado nas bibliotecas”.
“Nesse momento eu descobri que a poesia é viva e a minha reação foi de fascínio, fiquei fascinado com aquilo e quis compartilhar com o mundo todo essa poesia que ‘desceu do pedestal’ e que fala a linguagem da periferia”.
O artista conta que sempre escreveu. Desabafos e rimas sempre ocupavam a última folha do caderno. Mais uma vez, o poeta foi perceber a importância dos versos que escrevia após assistir o primeiro sarau.
“A minha família começou a me apoiar depois que foi entendendo que fazer arte, poesia, não é só um hobby. Também é uma profissão. Nós, que crescemos e vivemos na periferia, temos como objetivo conquistar um emprego e ter o mínimo de estabilidade possível e, infelizmente, a arte no Brasil ainda não é vista como trabalho. Então eu tive que mostrar para a minha família que a minha poesia é o meu trabalho”.
O ‘carteiro poeta’ ao lado de dona Geani, durante entrega de carta e poesia
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‘Carteiro poeta’
Já pensou receber uma encomenda do correio e, junto dela, uma poesia? É o que Cleyton, ou melhor, o “carteiro poeta”, costumava fazer para alegrar o dia dos moradores da cidade onde mora e, além disso, espalhar cultura por aí.
Mendes conta que trabalhou como carteiro durante 12 anos, de 2011 até 2023. Entretanto, o que era para ser uma rotina “comum” para o poeta, se tornou algo gigante. “Quando conheci o slam, fiquei tão fascinado com isso que queria que o mundo todo descobrisse também. Comecei a entregar poesias junto com as correspondências, não só minhas, mas de vários autores que conheci em saraus e batalhas de poesias”.
“Esse ato teve uma repercussão muito grande, fui para alguns programas de televisão falar disso – como Encontro com Fátima Bernardes, a própria TV dos Correios, programas em outras emissoras, fui em programas de televisão em Portugal, fui em programas de televisão em Moçambique, podcasts, palestrei no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra em Portugal, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, além de inúmeras escolas e empresas”.
Cleyton Mendes ao lado de Fátima Bernardes, no programa ‘Encontro’, em 2018
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O artista conta que já havia trabalhado vendendo pratos, verduras na feira, recolhendo recicláveis nas ruas, descarregava caminhões, já foi atendente de telemarketing, entre outros. Estava sempre em busca de algo que trouxesse estabilidade financeira. Entretanto, em fevereiro deste ano, com a explosão do “carteiro poeta”, Mendes afirma que chegou a hora de voar.
“Quando eu trabalhava nos correios, falava ‘meu trabalho é como carteiro, mas a minha missão é ser mensageiro’. Agora que saí, coloquei minha missão em prática”.
Compartilhando sentimentos
O escritor explica que tem quatro livros publicados, além de várias coletâneas de batalhas de poesia – quando o artista ganha uma batalha, a organização publica um livro com as poesias dos vencedores.
‘África é Logo Aqui’ aborda a viagem de Cleyton Mendes a Moçambique, na África
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“Meus livros são ‘Relatos de Uma Insônia’, meu primeiro livro, publicado em 2015, que eu decidi reunir poesias que escrevi durante a adolescência; ‘Contra Indicação’, de 2016, que nasceu por meio de uma poesia – com o mesmo nome – que viralizou nas redes sociais e pensei em fazer um livreto, com poesias curtas e que fosse fácil de carregar; ‘Etcetera’, de 2017, com a mesma estética do livro anterior; por fim, ‘África é Logo Aqui’ que é o meu livro favorito”. Ele fez eu sair da zona de conforto. O livro conta, em forma de diário, como foram meus dias em Moçambique”.
“Esses relatos foram feitos, por meio do olhar de um poeta periférico, com base na minha primeira viagem para fora do Brasil. Além disso, traz um misto de sentimentos. Minhas experiências, medos, anseios e inseguranças, o livro também traz dicas de viagem porque, quando eu fui, não conhecia ninguém que já tivesse feito isso, coisas simples como tirar o passaporte, trocar a moeda, etc”, relata.
“Além dos lugares que já conquistei com a poesia, acho que o essencial é que ela fez de mim, um lugar habitável para mim mesmo. A poesia me ensinou muita coisa. Ano que vem completo 10 anos que me considero um poeta, o ano que me joguei no mundo. Ainda tenho muito para aprender, conquistar”.
Poesia ‘Crespow’, de Cleyton Mendes, faz parte de livro pedagógico direcionado ao ensino básico do estado de São Paulo
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Clayton relata também que uma grande oportunidade foi integrar a capa da apostila do ensino médio da rede estadual de ensino de São Paulo.
“São Paulo é imensa, então imagina ter uma poesia minha, que fala sobre cabelo crespo, espalhada em todas as apostilas da capital? Isso é uma coisa gigantesca. Quando eu estudava, fugia da escola porque a literatura não dialogava com a minha realidade e, hoje, tem uma poesia minha nos livros de alunos como eu, na época”.
Aula aberta em Howard
O artista conta que o convite para palestrar em Howard foi inusitado. Ele conta que o professor Eliseo Jacob estuda os movimentos afro-brasileiros na literatura e que, tempo depois, por conta de uma solicitação de amizade na rede social, o poeta foi convidado para palestrar.
“Isso não é uma coisa pequena, é uma coisa imensa! Da Zona Leste de São Paulo, uma pessoa que não tinha nenhuma familiaridade com o ensino formal, ser convidado para dar uma aula em Howard. Além de uma realização pessoal, acho que isso ajuda e pode ajudar e inspirar outras pessoas que vêm de onde eu venho. O Emicida fala que ‘viver é partir, voltar e repartir’, então, quando eu faço essa atividade, reparto meu conhecimento. Com isso, muitas pessoas vão olhar e ter uma inspiração positiva, um exemplo positivo”.
“Tenho alguns objetivos com a poesia, mas acima de tudo, quero me fazer bem. Enquanto eu acreditar naquilo que eu faço e escrevo e divulgo para o mundo, o meu objetivo estará sendo cumprido. Um dos meus sonhos e objetivos é conseguir ser reconhecido e bem remunerado pelo meu trabalho. Por último, mas não menos importante, quero mostrar para as pessoas que vêm de onde eu venho que é possível seguir outros caminhos, que não sejam os que já foram pré-estabelecidos para a gente”, completa.
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