Empresária relata que durante um ultrassom precisou explicar para médico o que é uma mulher trans


Sophia Falcone oferece palestras para orientar profissionais da área da saúde sobre atendimento aos pacientes trans. Distância de ambulatório especializado e falta de informação estão entre desafios apontados pela comunidade LGBTQIA+ da região do Alto Tietê. Sophia é uma mulher transexual e faz parte da coordenação do Fórum LGBT de Mogi das Cruzes
Sophia Falcone/Arquivo Pessoal
A empresária Sophia Falcone, moradora de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo, precisa constantemente dar explicações por ser uma mulher trans. Paciente, até se disponibiliza a ministrar palestras para profissionais de saúde sobre o tratamento adequado para essa público, mas até Sophia ficou surpresa com a falta de conhecimento de um médico durante um ultrassom de abdômen.
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“Depois de algum tempo tentando encontrar meus ovários e útero, o médico perguntou sobre os mesmos. Expliquei que era uma mulher trans e ele me perguntou o que era isso. Isso ocorreu em uma clínica pelo plano de saúde aqui em Mogi”, lembra.
Sophia relata ainda que ficou com a impressão que o médico, que deveria ter entre 40 anos a 50 anos, não entendeu nada da explicação. “Eu sou uma pessoa mais vivida nessa parte porque faço palestras de conscientização. Mas se pega alguma pessoa trans que passa por esse processo pode causar danos psicológicos. É uma falta de conhecimento que não deveria acontecer com um profissional de saúde que faz exame de imagem”, explica a empresária, que também é coordenadora do Fórum Mogiano LGBTQIA+.
Distância
Além do desconhecimento, a distância é outro obstáculo para que mulheres e homens trans do Alto Tietê tenham acesso a tratamento de saúde. O Ambulatório Médico de Especialidades (AME) para pessoas trans fica em Guarulhos, a 46 quilômetros da região central de Mogi das Cruzes e a quase 90 quilômetros da região central de Salesópolis.
Para Sophia Falcone a falta de informação não está apenas na equipe médica, mas também no atendimento das Unidades Básicas de Saúde (UBS).
Segundo a coordenadora do Fórum nas UBSs não existe o direcionamento da população trans para a AME de Guarulhos. “Eu não conheço uma orientação aqui em Mogi que indique a pessoas trans que procuram atendimento médico que existe o AME Pró Trans de Guarulhos. A falta dessa indicação complica bastante. Uma pessoa trans vai a um posto de saúde ou marca uma consulta e não é direcionada para lá, simplesmente não atendem e pronto.”
Ela estima que, em média, 30 pessoas trans de Mogi das Cruzes façam acompanhamento no AME de Guarulhos. A falta de um ambulatório especializado em Mogi dificulta a vida das pessoas trans.
Sophia destaca que quem precisa desse atendimento especializado tem dificuldade em se deslocar até Guarulhos. “O acesso ao local é difícil e caro. Normalmente se perde o dia todo para ir, passar com um médico e voltar. Então, se a pessoa está trabalhando se torna impossível e pode levar a pessoa a se auto medicar, levando a problemas de saúde muito sérios.”
Sophia Falcone faz palestras sobre a comunidade LGBTQIA+
Arquivo Pessoal/Divulgação
Outro ponto observado por ela é a questão do custo disso para o município. Segundo Sophia, a Prefeitura oferece o transporte até o AME de Guarulhos que é feito em uma ambulância. “Se houvesse um atendimento em Mogi, além de uma maior adesão, sobraria uma ambulância para atendimento em que realmente ela fosse necessária. Com uma adesão maior ao tratamento com acompanhamento, as pessoas trans não evoluiriam para problemas de saúde mais sérios (por se automedicar ou por não irem ao médico) e também desoneraria o sistema de saúde da região.”
A Secretaria Estadual da Saúde informou que, de acordo com o Departamento Regional de Saúde (DRS), o primeiro atendimento para o processo transexualizador, via Sistema Único de Saúde (SUS), acontece pela Atenção Básica. “Entretanto, a região do Alto Tietê conta com o Ambulatório Médico Especializado (AME) Pro-Trans, localizado no município de Guarulhos, unidade de referência para pacientes transsexualizados e que funciona diariamente, com atendimento à demanda espontânea.”
A secretaria destaca que conforme definição do Ministério da Saúde o ambulatório realiza acompanhamento clínico, pré e pós-operatório e hormonioterapia. E, se houver necessidades para encaminhamento para cirurgias, o Centro de Referência e Treinamento DST/Aids-SP é o responsável por regular e encaminhar os pacientes aos hospitais que realizam os procedimentos previstos no processo transexualizador.
Preconceito e falta de informação
Shophia alerta que outro ponto que dificulta o atendimento em saúde das pessoas trans são o preconceito e a falta de informação nas unidades de saúde de um modo geral.
“Muitos pontos de atendimento ainda não respeitam o nome social, sem contar médicos despreparados. Muitas não procuram mais o sistema de saúde porque sabem que poderão ser ridicularizadas ou expostas à humilhação. Por exemplo, um homem trans necessita ir ao ginecologista e o problema se estende desde a recepção (que deveria acolher) até o momento do exame do profissional de saúde. Os olhares, comentários e até agressão das demais pessoas que não esperam um homem naquele ambiente são arrasadores”, afirma Sophia.
A coordenadora do Fórum Mogiano LGBT aponta que as dificuldades chegam até os sistemas de planos e sistema público de saúde, especialmente, se o nome e o gênero foi retificado. “Alguns planos e até mesmo o sistema público pode vetar um ultrassom intravaginal para um homem trans ou um exame de próstata para uma mulher trans.”
Alexandra Braga é professora, mulher trans e vice-presidente do Fórum LGBT. Para ela, existe uma falta de diálogo do poder público para a criação de políticas públicas de saúde para a população trans em Mogi das Cruzes. “Já levamos a proposta e projeto à Prefeitura, mas a política conservadora se nega a fomentar políticas de saúde a esse segmento. E o mais importante como movimento organizado LGBTQIAP + ( Fórum Mogiano LGBT) temos condições de apoiar e formar os profissionais. Desta forma pessoas transexuais e travestis saberiam que o atendimento será acolhedor e respeitoso.”
A Secretaria Municipal de Saúde de Mogi das Cruzes afirma que pessoas trans têm acesso às consultas e exames sem distinção. Segundo a secretaria, é feito o investimento em novas atualizações sobre o tema, como a promoção de encontros e debates com objetivo de sensibilizar o olhar dos profissionais e humanizar o acolhimento em qualquer situação.
Ainda de acordo com a secretaria, em maio os profissionais da rede municipal de saúde participaram do evento Mogi contra a Homofobia e Transfobia que contou com uma palestra da conselheira Sophia Rodrigues Falcone, mulher trans e especialista no tema, para atualização sobre diversos assuntos, entre eles abordagem e o tratamento pessoal no atendimento público.
Sobre as queixas de marcação de consultas e problemas no atendimento, a Secretaria de Saúde informou que não tem registros de ocorrência desse tipo e segue investindo em ações de capacitação com constantes atualizações dos profissionais sobre humanização e acolhimento de todos os públicos, além do respeito ao nome social adotado, conforme previsto na lei. “O combate à homofobia está presente em todas as esferas da gestão municipal, bem como o repúdio a qualquer tipo de violência, preconceito ou discriminação.”
Segundo a Secretaria de Saúde, homens trans podem ser atendidos no Pró-Mulher ou em qualquer unidade de saúde mais próxima de sua residência. A pasta destaca que o Ambulatório da Saúde Trans de Guarulhos é gerenciado pelo governo do Estado e é referência para todo o Alto Tietê e que trabalha pela solicitação da distribuição dos medicamentos no AME da cidade, porém o acompanhamento continuará sendo feito pelo AME Pró Trans de Guarulhos e que disponibiliza o transporte e a realização de exames laboratoriais para pacientes do município.
Atendimento em saúde para pessoas Trans em outras cidades do Alto Tietê
A reportagem também procurou as prefeituras para buscar informações sobre os serviços oferecidos. Apesar de parte das administrações municipais da região já ter oferecido treinamento para que os profissionais atendam a comunidade LGBTQIA+, muitas pessoas não se sentem acolhidas. Arujá, Biritiba-Mirim, Poá e Salesópolis não responderam aos questionamentos.
Ferraz de Vasconcelos
Sobre o atendimento a pessoas trans, a Secretaria de Saúde de Ferraz de Vasconcelos informou que “é possível identificar no formulário as pessoas trans se o paciente assim desejar. No ano passado, ocorreu uma capacitação específica aos funcionários, mas todos os profissionais seguem as boas práticas de atendimento à saúde com respeito, atenção e acolhimento, englobando também, este público. Todos que procuram atendimento na rede municipal de saúde, sejam exames ou marcação de consultas, conseguem o atendimento, independente de se declararem trans.”
Guararema
A Prefeitura de Guararema informou que todos os munícipes conseguem ser atendidos em consultas e exames na rede municipal e que todos os profissionais são orientados quanto ao atendimento humanizado com os pacientes.
Itaquaquecetuba
A Secretaria Municipal de Saúde de Itaquaquecetuba informou que as unidades de saúde oferecem atendimento universal, com respeito e valorização a todos os usuários sem distinção. “Do ponto de vista da assistência, os protocolos preveem questões importantes a esse público, como por exemplo o impacto na saúde física e mental.”
Segundo a Secretaria, a cidade possui o Serviço de Atendimento Especializado (SAE), que concentra o maior número de atendimentos a esse público na cidade. O SAE é uma unidade ambulatorial voltada à atenção integral às pessoas com HIV/AIDS, hepatites virais, tuberculose e hanseníase que realiza testagem, dá aconselhamento e seguimento aos pacientes que recebem o diagnóstico positivo.
Santa Isabel
A Prefeitura de Santa Isabel informou que as pessoas trans recebem atendimento na rede municipal de saúde e que os funcionários passam por treinamento.
Suzano
A Prefeitura de Suzano informou que as pessoas trans podem ser atendidas em qualquer unidade da rede municipal de saúde. Segundo a Prefeitura, com base nos protocolos implantados na rede municipal, os servidores são orientados a utilizar o nome social no momento de chamar os pacientes durante os atendimentos. A Prefeitura destaca que os funcionários estão orientados sobre a utilização do nome social e o gênero indicado.
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