Vítimas de racismo do Alto Tietê relatam traumas após sofrer violências

Guilherme Augusto Moares do Vale e Pedro Azpilicueta, jovens de Mogi das Cruzes, carregam marcas físicas e emocionais após sofrerem racismo. Racismo e saúde emocional: como o trauma afeta as vítimas
O racismo no Brasil é uma questão histórica, social e está presente em quase todos os ambientes. Quem sofre discriminação racial sabe que as consequências são duras e que as marcas deixadas continuam pela vida.
O dia 27 de janeiro de 2023 era para ser apenas mais uma data no calendário. Mas para Guilherme Augusto Moares do Vale, morador de Mogi das Cruzes, foi um dia que ficará gravado em sua memória. “Tragédia. Tragédia”, disse o músico e digital influencer.
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Guilherme estava com alguns amigos na praça de alimentação de um shopping em Mogi das Cruzes quando um grupo de jovens que estava na mesa ao lado começou a insultá-lo.
“A gente sentou do lado de uma mesa que tinham dez meninos brancos que fizeram o ato racista contra mim. Me chamaram de ‘negro’, minha deficiência visual também, eles falaram sobre vesgo e tal. Mas, tipo assim, num tom muito pesado e pejorativo. Uma palavra que tenho pra definir isso é que eu apanhei por palavras, bateram em mim por palavras. Porque, na hora que aconteceu, eu perdi a fome, respeitei meus amigos porque, como eles vieram de São Paulo, esperei eles terminarem de comer e falei pra eles ‘vamos sair daqui’. Eles falaram ‘vamos, vamos sair’. Aí quando eu fui levar minha bandeja até a lixeira do shopping, esse grupo de dez pessoas se levantou e tentaram ir atrás de mim pra continuar as injúrias e ato do racismo”, relatou Guilherme.
Guilherme disse que sentiu medo e ficou constrangido, por isso pediu aos amigos para ir embora do local. Mas não acabou por aí. Na saída do shopping, o jovem encontrou novamente com os agressores.
“Os dez estavam lá. Aí me deparei com eles e aí eu falei com meus amigos ‘é melhor a gente voltar porque senão eles podem querer agredir a gente aqui e tem duas meninas conosco. A gente pode não dar conta’, e a gente não ia dar conta mesmo, a gente já estava com muito medo”, completou o jovem.
Guilherme retornou para casa e registrou boletim de ocorrência. Já se passaram cinco meses e até agora, até onde ele sabe, ninguém foi chamado para depor. A única mudança depois de sofrer racismo foram os traumas que ele passou a carregar.
“Não consigo mais estar em lugar que tem muita gente, sabe? Se eu estou num lugar que tem bastante gente e eu vejo alguém cochichando um com o outro, já penso que é comigo, sabe? Tipo assim, meio que uma situação um pouco de baixa autoestima, sabe? Minha maior esperança é que achem os agressores e eles sejam punidos severamente por isso. Porque do mesmo jeito que eu estou com esse trauma, quantas outras pessoas eles já não devem ter deixado esses traumas, ter batido por palavras em pessoas que é muito difícil. É uma sensação de insegurança que você carrega pro resto da vida”.
Outro caso de racismo em Mogi das Cruzes ocorreu no distrito de César de Souza e que quase teve um final trágico. Hoje, Pedro Azpilicueta carrega marcas físicas e emocionais.
“Essa marca aqui me lembra, que me tornou mais forte, que me torna mais forte. A voz que eu tenho, que eu posso falar sobre o acontecido, sobre tudo o que aconteceu me torna mais forte e acaba que torna outras pessoas mais fortes também”, disse Pedro.
O caso ocorreu em novembro do ano passado. Imagens de câmeras de seguranças mostram um guarda municipal, que era vizinho do jovem, discutindo com ele. O homem aparece em frente à casa da vítima com uma barra de ferro. Pedro começa a gravar com celular e, em seguida, o vizinho aparece com uma arma de fogo e dispara três vezes. Enquanto tentava se esconder, Pedro acabou atingido no rosto e nas costas.
“A imagem mais marcante pra mim foi ver o meu filho entrando dentro do meu quarto ensanguentado. Foi a pior que teve. Então, assim, é o quarto aonde eu durmo e, todo dia, quando estou deitado na cama, eu me viro pra porta, essa imagem vem na minha cabeça”, explicou Jeferson Luis Azpilicueta, pai de Pedro.
As lembranças ruins permanecem na memória de todos. Em novembro do ano passado, o circuito de monitoramento registrou o momento em que o agente joga cascas de banana em frente à casa da vítima. Segundo a família, o homem também fazia outros ataques, proferindo palavras como “macaco” e “preto sujo”.
“Cada um reage de uma forma. O Pedro reagiu de uma forma, a Josi de outra. Mas eu pensei que, com o tempo, de repente, eu pudesse estar assimilando melhor, diluindo isso daí. Mas eu não estou conseguindo, não. Minha cabeça ainda não está legal e eu vou ter que voltar a fazer terapia ”, explicou Jeferson. Recentemente, o caso foi mostrado no programa Linha Direta, que trouxe os detalhes da investigação.
Agora, Pedro se sente um pouco mais tranquilo. Ele voltou à rotina no pet shop, onde passa a maior parte do tempo cuidando do negócio. Esta é uma das formas que ele encontrou para diminuir a ansiedade.
“Continuo trabalhando normal, pratico meus esportes. Corro, faço futebol, apesar de não ser fácil ainda tudo o que aconteceu. Ainda é difícil, mas eu procuro manter minha rotina como era antes. Eu gosto de compor, escrever. Faço rap, é uma coisa que me ajuda muito também”.
A ansiedade maior neste momento é a espera pelo julgamento.
“Eu espero justiça, principalmente. Que ele possa ficar um bom tempo preso pelo que ele fez, que ele é um perigo não só pra mim, como aqui fora na rua também”, contou Pedro.
“Como que a GCM tendo esse rela tório feito por psiquiatras, pessoas que sabem daquilo que eles estão falando, como deixou um cara desse assim à solta, fazendo tudo isso que ele fez, até chegar nesse ponto? Por que não tomaram uma providência antes? Então, é isso que a gente cobra”.
Enquanto a decisão da Justiça não sai, a família segue em frente, unida, combatendo o racismo.
“Tirar o racismo das pessoas a gente não consegue, mas que as autoridades tenham uma mão mais forte, mais pesada quanto ao racismo, isso aí eles podem fazer sim. Está ao alcance deles”, finalizou Jeferson.
A Secretaria de Segurança de Mogi das Cruzes informou que está na fase final o processo administrativo junto à corregedoria da guarda municipal, com recomendação para a demissão do guarda municipal da corporação, e disse também que o servidor tentou a licença para porte de arma funcional na guarda municipal, mas não foi aprovado no exame psicológico. por isso, não atuava armado pela corporação. ressaltou que a arma utilizada no ataque era particular, não fornecida pela GCM.
Já sobre o outro caso, a Secretaria do Estado de Segurança Pública disse que o 1° DP de Mogi das Cruzes está investigando o caso como injúria racial, e que a equipe realiza diligências para esclarecer os acontecimentos e ainda vai chamar os suspeitos para prestarem depoimentos.
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