João Paulo tem 32 anos e foi enviado em duas missões pela Força Nacional do SUS, programa para o qual se alistou voluntariamente. Em meio ao cenário desumano e às dificuldades de comunicação, o profissional fala de aprendizados e da vontade de fazer mais pela comunidade. Médico João Paulo Negretti atende criança indígena na terra Yanomami
Arquivo Pessoal
A língua não é barreira quando o olhar do cuidado é capaz de expressar tudo. Aprendizado que o médico João Paulo Negretti, de 32 anos, traz na mala após uma intensa missão humanitária de atendimentos na Terra Indígena Yanomami, em Roraima.
Por 21 dias, o coordenador do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) de Ferraz de Vasconcelos, na Grande São Paulo, trocou o dia a dia das ambulâncias por uma das maiores crises humanitárias do país.
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Ele integrou a Força Nacional do Sistema Único de Saúde (FN-SUS) apoiando o atendimento aos indígenas no polo-base de Surucucu, unidade de referência que recebe dos casos mais simples aos mais complexos.
Em meio a um cenário de desnutrição, malária e outras doenças que retratam parte da tragédia, o médico abraça ensinamentos e exalta a vontade de ajudar. Uma experiência única e que, sem dúvidas, vai lembrar por toda a vida.
João Paulo participou de duas missões no local; na primeira, atendeu indígenas em uma comunidade
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“A barreira da comunicação é bem difícil de transpor. A gente não entende nenhuma palavra e eles também não nos entendem. Sempre estamos com um agente indígena de saúde que atua como intérprete nessa comunicação entre médico e paciente”, comenta João.
“Mas quando o paciente está grave, você vê o estado da mãe, por exemplo. Eles expressam o sofrimento de forma muito clara. E, quando percebem sua intenção de ajudar, é como se criasse um relacionamento. Dá vontade de voltar”.
João está entre os médicos que decidiram se voluntariar para atender indígenas em meio à crise sanitária
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A Força Nacional do SUS é um programa de cooperação criado em novembro de 2011. De acordo com o Ministério da Saúde, a iniciativa é voltada à execução de medidas de prevenção, assistência e repressão a situações epidemiológicas, de desastres ou de desassistência à população quando for esgotada a capacidade de resposta do estado ou município.
Os profissionais interessados em fazer parte da iniciativa se alistam voluntariamente pela internet e são escolhidos de acordo com o perfil procurado pelo programa. João, por exemplo, foi chamado duas vezes: a primeira em fevereiro, quando atuou diretamente no território indígena. Na segunda, em abril, ajudou a montar e a atender na sala vermelha.
João Paulo Negretti tem 32 anos e é coordenador do Samu de Ferraz de Vasconcelos
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O objetivo da missão era prestar assistência aos casos em que, apesar da gravidade, o paciente poderia sobreviver se tratado com rapidez. “Imagina pegar um indígena, colocar na aeronave pra levar na capital. Isso demora muito, são duas horas de voo, então é muito arriscado pro paciente. Com essas unidades dentro do território, facilita o atendimento”, explica.
Diferentemente do que ocorre nos centros urbanos, não há hospitais ou estrutura para atender casos graves nas terras Yanomamis. Negretti conta que esse foi um dos desafios da estadia. “Lá nós dependemos de muitos fatores, como questões climáticas, estrutura, transporte. A gente sempre tem que pensar à frente na situação do paciente, estar preparado pra tudo”.
Apesar das dificuldades, Negretti exalta gratidão e aprendizados após estadia em Roraima
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Porém, para além das dificuldades no atendimento, a crise vivida pelos indígenas ainda traz outra dor. Quem vê de perto diz que a situação é desumana e assusta. Em meio à angústia, profissionais se unem para tentar fazer nascer esperança e a cura. Não é fácil, mas o médico garante que as recompensas chegam, mesmo que devagar.
“O mais difícil como médico é ver qualquer ser humano em situação desumana. Independentemente de religião, de comunidades, de cultura. Isso é muito difícil. Me foge a palavra ver algo assim. É muito impactante”.
“Tem pacientes que chegam num cenário que a gente julga como instável, potencialmente grave. Só que como os yanomamis não costumam ter contato com medicação, eles tendem a responder muito bem às terapias. Isso era muito gratificante”, completa.
Médico conta que sempre sonhou em integrar a Força Nacional do SUS
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A crise ainda é grave e há muito a ser feito em todos os âmbitos das políticas públicas. Mas para o médico, que sempre teve o sonho de vestir o macacão azul da Força Nacional do SUS – e que é apaixonado pelo atendimento fora do hospital –, ficam a gratidão, a esperança e a vontade de fazer mais.
“Mesmo sem a comunicação verbal, a gente conseguia se comunicar por gestos. Era um conexão muito gratificante. Teve a familiar de um paciente que desenhou no meu braço, com uma tinta, uma tatuagem. Também ganhei uma pulseira da mãe de uma criança como agradecimento. É um ensinamento gigantesco”.
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