Após acusação de racismo, prefeitura suspende apresentação de ‘nega maluca’ em rodeio na Grande SP; VÍDEO


Animador do evento estava vestido de mulher negra e se apresentou na arena do Rodeio Fest, em Santa Isabel. OAB de Santa Isabel e coletivos da cidade manifestaram repúdio contra o caso. Após acusação de racismo, prefeitura suspende ‘blackface’ em rodeio na Grande São Paulo
Depois de acusações de racismo nas redes sociais, a Prefeitura de Santa Isabel, na Grande São Paulo, suspendeu a apresentação de um homem vestido de mulher com corpo e face pintados de preto no rodeio de celebração de 191 anos da cidade. Um vídeo que circula nas redes sociais mostra a personagem, com tranças na cabeça, no último dia 8, fazendo performances na arena. (veja no vídeo acima)
A empresa responsável pela animação do evento, Equipe Babalú, informou que a pessoa interpretava a personagem “nega maluca” em uma apresentação que fazia parte de um espetáculo.
Dois coletivos da cidade classificaram o fato como “blackface”, prática que consiste na pintura da pele com tinta escura, atitude considerada racista. Após a empresa declarar que o animador estava vestido de “nega maluca”, os grupos também denunciaram esta prática. Já que a personagem se trata de uma pessoa com o corpo pintado de preto, exibindo uma performance “animalesca”. As duas práticas estão diretamente atreladas à ridicularização de pessoas negras (leia mais abaixo).
Animador fantasiado de “nega maluca” se apresentou durante o rodeio em Santa Isabel
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Os coletivos Revolução Solidária e Casa da Tia Margarida, ambos de Santa Isabel, se posicionaram contra a prática por meio de um manifesto publicado em uma rede social. Além disso, os grupos também criaram um abaixo-assinado na internet em que cobraram posicionamento da Prefeitura de Santa Isabel, da sub-seção da OAB da cidade, dos organizadores e patrocinadores do evento.
No manifesto publicado nas redes sociais, os coletivos informaram que “o movimento negro, e outros grupos ligados ao tema, lutam por reparações, equidade e justiça. Refletir sobre este episódio é urgente e necessário. Tornamos público, por intermédio deste texto, a nossa indignação. Aguardamos uma resposta dos organizadores do evento e da prefeitura municipal. Diálogo exige interação. Aguardamos a resposta e as reparações necessária”.
A educadora e teóloga Lídia Maria de Lima, integrante do coletivo Casa da Tia Margarida, acredita que o caso se tornou ainda mais problemático após a publicação da nota da Prefeitura.
“Quando o prefeito disse, na presença de outras pessoas do coletivo, de que chamaria os advogados e que provaria que isso se trata de uma apresentação folclórica e depois eles soltam aquela nota dizendo que se trata de uma apresentação folclórica da personagem ‘nega maluca’, bom, aí a gente tem um outro ato racista e que reforça, pra além do problema que a gente tinha inicialmente, que era a questão do blackface. É continuar afirmando que a gente tem uma personagem, que é considerada folclórica e que, ainda sim, esbarra em todas as questões de racismo que a gente discute diariamente nas mídias, na TV, nas escolas. E aí a gente tem um órgão público reforçando, ‘não, mas não se trata de racismo, é apenas uma apresentação folclórica’. Não, não é folclórica”.
“A prefeitura perdeu uma grande oportunidade de convidar a sociedade pra uma discussão mais séria, mais sensata e mais educativa. Negar que isso foi um ato de racismo é apenas reforçar as questões de elite, as questões de escravagismo, e negar que somos uma sociedade racista e que a gente precisa se educar o tempo todo. Porque é só no processo de ‘errei, vamos consertar’, ‘pera aí, vamos discutir de novo esse tema, vamos entender de novo o que se trata, o que é racismo, o que é blackface’. Enquanto a gente não tiver disposição pra aprender, esses atos vão continuar acontecendo, e a gente vai continuar dizendo que é ‘mi mi mi’, que é frescura da sociedade, que é o grupo da oposição que está se levantando. Então, a gente precisa prestar atenção pra essas coisas”, disse Lídia.
A Prefeitura disse, em nota, que “os Gestores Públicos foram pessoalmente conversar com o responsável pela Companhia Babalú, que informou que a peça teatral em que um de seus componentes se veste como a personagem folclórica ‘Nega Maluca’ tem uma trajetória de 28 anos de apresentações em todo o país, e nunca antes havia sido alvo de questionamentos”.
A administração municipal ainda informou que “reafirma sua postura de combate à discriminação racial e destaca que repudia veementemente qualquer tipo de discriminação ou preconceito, seja direto ou indiretamente, contra indivíduos ou grupos em razão da sua etnia ou cor e que lamenta o ocorrido”.
Também em nota, a OAB de Santa Isabel, através de sua Comissão da Igualdade Racial, disse que “tomou conhecimento do episódio de racismo ‘blackface’ ocorrido no evento ‘Santa Isabel Rodeio Fest’” e que “atitudes racistas ou de outra natureza discriminatória não são admitidas e devem ser punidas dentro da lei”.
A OAB de Santa Isabel também informou que “manifesta total repúdio a qualquer ato de racismo” e informou que “um expediente interno foi aberto para apurar e investigar os fatos”. O órgão ainda disse que “aproveita para reiterar seu compromisso com o enfrentamento e combate a todo tipo de discriminação, se colocando, desde já, a disposição das vítimas de racismo ou vítimas de preconceito de qualquer natureza”.
De acordo com o Ministério Público de São Paulo, a Promotoria de Justiça de Santa Isabel informou “que foi instaurado o procedimento nº 38.0422.0000514/2023-3 para cabal apuração dos fatos, requisitaram-se esclarecimentos à municipalidade acerca da ocorrência relatada”.
O Rodeio Fest Santa Isabel contou com shows de Leonardo e das duplas Marcos e Belutti, e Cesar Menotti e Fabiano, e Di Paulo e Paulino.
O que diz os coletivos
Confira o manifesto dos coletivos Revolução Solidária e Casa da Tia Margarida na íntegra:
“precisamos conversar sobre racismo recreativo: o que há de engraçado na ridicularização de corpos negros? No último final de semana, no rodeio de Santa Isabel, uma ‘personagem foi apresentada como forma de entretenimento. Uma pessoa com o corpo pintado de preto, exibia uma performance ‘animalesca’. A prática de rir e ridicularizar corpos negros reforça as práticas do racismo estutrural. Indica a urgência de discutir o tema, de maneira coletiva.
Racismo recreativo, Blackface, são situações que causam constrangimento, dor, adoecimento e mina a nossa identidade e autoestima. Em 2023, em uma atividade ‘cultura’, cenas como essa são vistas de maneira ‘natural’ e ignoradas pela secretaria de Cultura, de Educação e pelo público. Esta sociedade segue fazendo a manutenção de práticas escravagistas e ignorando a necessidade de um letramento racial.
O movimento negro, e outros grupos ligados ao tema, lutam por reparações, equidade e justiça. Refletir sobre este episódio é urgente e necessário. Tornamos público, por intermédio deste texto, a nossa indignação. Aguardamos uma resposta dos organizadores do evento e da prefeitura municipal. Diálogo exige interação. Aguardamos a resposta e as reparações necessária.
O que diz a prefeitura
Confira a nota da Prefeitura de Santa Isabel na íntegra:
“Em face do ocorrido no “Rodeio Fest Santa Isabel 2023”, e dos questionamentos recebidos pela Prefeitura, no que se refere à apresentação ocorrida na noite do dia 08 de julho, a Prefeitura de Santa Isabel informa que tomou providências assim que a apresentação foi encerrada.
Os Gestores Públicos foram pessoalmente conversar com o responsável pela Companhia Babalú, que informou que a peça teatral em que um de seus componentes se veste como a personagem folclórica “Nega Maluca” tem uma trajetória de 28 anos de apresentações em todo o país, e nunca antes havia sido alvo de questionamentos.
Ainda segundo a Companhia Babalú, jamais houve a intenção de discriminar quem quer que seja. Apesar das justificativas, os Gestores informaram que a performance poderia ser classificada como racismo “BLACK FACE”, e solicitaram para que a mesma fosse excluída dos demais dias, o que foi prontamente acatado pela empresa.
A Prefeitura de Santa Isabel, por meio de seus responsáveis, reafirma sua postura de combate à discriminação racial e destaca que repudia veementemente qualquer tipo de discriminação ou preconceito, seja direto ou indiretamente, contra indivíduos ou grupos em razão da sua etnia ou cor e que lamenta o ocorrido.
O que diz a empresa
Confira a nota da Equipe Babalú na íntegra:
A Equipe existe desde 1994, era dirigida pelo José Eduardo, e eu, Zeca era um dos funcionários e a partir de 2018, o Ezequiel que sou eu, passei a ser o responsável pela Equipe, ano que vem faremos 30 anos de história, então há quase 30 anos apresentamos esse número por todo o Brasil, principalmente em Rodeios, sem nunca ter sido questionado.
A apresentação é feita por um dos componentes que se veste como a boneca do Folclore Brasileiro “Nega Maluca”, que segundo pesquisamos sua história se originou no Carnaval de 1950.
A história real do surgimento não sei dizer exatamente, mas, já li diversas histórias sobre ela, que se originou em uma marchinha de Carnaval composta por Evaldo Ruy e Fernando Lobo, e que Evaldo teve a ideia da música ao presenciar a cena quando uma mulher negra apareceu com uma criança em um bar e queria a todo custo entrega-la para um dos frequentadores gritando que era filho dele e o homem que jogava sinuca se recusava a recebê-la dizendo que o filho não era dele.
Por outro lado, alguns dizem que a boneca surgiu nas festas populares do Nordeste e por lá gira muito a economia, pois, estão em todas as lojas de artesanatos e em outras lojas do país também.
Li também a história sobre o surgimento do bolo chamado de “Nega Maluca”, conhecido em todo nosso pais, sobre uma escrava que adorava fazer doces e nos anos 1940 um viajante lhe deu de presente, um pacote de cacau em pó, mais que depressa ela foi pra cozinha e fez uma mistura que derrubou um pouco no fogão a lenha que ao derreter exalou um perfume delicioso e então ela pegou mais da mistura deixou derreter e cobriu seu bolo, e o cheiro era tão bom que sua patroa entrou na cozinha dizendo, “Nega” Tá Maluca? Que cheiro delicioso! Nasceu o nosso bolo que também cita o nome da boneca.
E por último, não creio que seja exatamente a história, porque seria bem mais recente, de que a personagem “Nega Maluca” foi criada por um artista de apelido Neném, de São Francisco do Conde, com mais de 27 anos de cultura Franciscana e inventor de vários personagens e querendo criar um único e especial, fez a “Nega Maluca”.
Segundo li dessa história, o criador após se deparar com algo em seu quarto teve um ataque de riso surgindo a ideia da personagem e em casa da sua mãe conseguiu os acessórios, uma peruca, uma roupa preta, e com carvão triturado passou no corpo todo, vestiu as roupas, pintou os lábios de batom vermelho e foi para a avenida e começou a beijar todos que via pela frente e então os demais foliões começaram a perguntar: “O que é aquilo? Aquela maluca pelas ruas beijando um e outro”, surgindo a personagem “Nega Maluca” encontrada por todo o Brasil em diversas formas.
No entanto, somos de opinião que o real nascimento da boneca foi em 1950 porque há quase 30 anos fazemos essa apresentação.
Bem, é um relato simples da personagem onde o nosso componente por nome William e apelido “Montanha” se caracteriza como a boneca folclórica e dança, brinca com a plateia e sempre foi visto por nós como algo que transmite alegria, leveza e inocência, estamos impactados com a proporção do que a apresentação tomou, jamais imaginamos que após 28 anos nossa apresentação fosse vista como algo além da mensagem folclórica da alegria, ainda mais com essa conotação tão triste e grave que é o racismo.
E com pesar, a pedido da Prefeitura, suspendemos a apresentação em Santa Isabel e estamos até agora um pouco perdidos, nunca ouvimos falar de alguma lei proibindo o uso da boneca ou qualquer outro tipo de proibição.
Vamos repensar essa apresentação porque estamos realmente traumatizados, jamais a Equipe Babalú irá compactuar com qualquer tipo de discriminação ou preconceito por questões de etnia ou cor ou qualquer outro tipo de discriminação ou preconceito, lamentamos demais o ocorrido.
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