No entanto, ela coloca dúvida: “Será que Lula será candidato?”. A cientista política concedeu entrevista na sede da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), do qual é coordenadora do Curso de Sociologia e Política.
A FESPSP é a instituição em que estudaram figuras ilustres como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o sociólogo Darcy Ribeiro. Tathiana também falou sobre sistemas políticos, populismo e ainda alertou: “A democracia, por ser jovem, sempre está em risco”. Leia abaixo a entrevista que pode ser acompanhada também no portal do Diário de Suzano (www.diariodesuzano.com.br), YouTube e Facebook.
DS: Como vê a condução do governo Lula 3, apesar de críticas em relação à economia, sobretudo da oposição.
Tathiana: Indicadores macroeconômicos são bons. São positivos. Há crescimento. As condições não são tão ruins. Isso não quer dizer que a percepção das pessoas sobre a economia seja, necessariamente, positiva. O governo está conseguindo de fato apresentar seus projetos e propostas? Esses indicadores significam mudança no cotidiano das pessoas? Destacaria que o governo tem mais problemas no campo da articulação política do que do que nesses indicadores macroeconômicos.
DS: Falta uma melhor comunicação do governo?
Tathiana: Falta entender o que é a comunicação nos dias de hoje. Entender a comunicação como parte da formulação de política pública não é só o ato de comunicação do feito. É fazer com que a população também participe de todo o processo. É trabalhar comunicação de uma maneira mais estratégica e não somente instrumental.
DS: A popularidade do governo Lula caiu. Qual análise faz?
Tathiana: Se a gente comparar o governo Lula 3, com Lula 1 e Lula 2 a diferença de popularidade é grande. Há um elemento importante: o fator da comunicação estratégica, que é conseguir pautar o debate. Isso, para a opinião pública, mostra um governante mais ativo. A popularidade do Lula caiu por conta da dificuldade de fazer a comunicação estratégica. Nos outros governos Lula não havia internet. Hoje existem as redes sociais. É um contexto comunicacional muito diferente.
DS: O Brasil tem um sistema de coalizão. O presidente, o executivo, tem de conversar com partidos e diferentes matizes políticas para ter a governabilidade. No governo Lula há partidos de centro direita. O governo Lula ainda é de esquerda?
Tathiana: Também (é de esquerda). Mas também é de centro. Integrantes do governo estão nos campos da esquerda e da direita. O partido é uma coisa, o líder político é outra. Uma terceira condição é como se faz a composição. É um governo que tem marcadores de esquerda, por conta do partido, por conta da trajetória. Mas não é 100% de esquerda porque tem de fazer diferentes composições. E também porque é um governo que se chamou de Frente Ampla pela Democracia. Como se consegue governar? Através de arranjos, de negociações. Isso é parte da política.
DS: Como vê o populismo na política, na forma de governar? O atual governo é populista, assim como foi a gestão Bolsonaro. Populismos diferentes?
Tathiana: Costuma-se ver o populismo até como xingamento, algo pejorativo. O populismo tem a ver com a ligação ou proximidade do líder com o povo. Mas esse populismo pode ter contornos democráticos ou autoritários. O populismo não é de esquerda e também não é de direita. O Lula sempre foi um líder populista, porque tem articulação muito forte com o povo. O Bolsonaro também tem características de líder populista. Mas eles são muito distintos. Um operando muito mais na lógica democrática. O outro operando em uma lógica muito mais personalista e com tons autoritários.
DS: Como acredita que o presidente Lula vá disputar as eleições de 2026? Em que situação estará a direita nessa competição política?
Tathiana: Quem está no poder, sempre tem vantagens. A taxa de reeleição no Brasil é grande. A última eleição municipal chega perto dos 80%. E porque ele tem vantagens? Porque tem a máquina, a possibilidade de apresentar projetos. O Lula está no governo e por isso tem vantagem. A desvantagem é a própria condição de seu governo, a baixa popularidade, o fato dele não conseguir renovar e ter uma pessoa no seu lugar. Agora existe uma outra questão importante: O Lula será candidato? Embora seja uma figura com trajetória muito importante e reconhecida está com uma idade avançada. Em relação à direita é preciso saber quem vai liderar esse processo. O próprio Bolsonaro? Os políticos que pretendem fazer oposição ao Lula vão querer se vincular ao Bolsonaro?
DS: Como analisa a disputa pelo eleitorado evangélico?
Tathiana: O Brasil vem passando por uma transformação religiosa, uma mudança do perfil religioso. O que é o eleitor evangélico? Não existe eleitor evangélico, de uma única maneira. São diferentes, desde evangélicos mais ligados às igrejas tradicionais e igrejas neopentecostais. O universo evangélico tem multiplicidade grande. É super heterogêneo. Muitas vezes se olha para esse segmento de forma preconceituosa como se questões relacionadas a costumes fossem mais importantes. Muitas vezes é relacionado às condições de vida.
DS: A Inteligência Artificial está por aí. Há uma ampla discussão sobre aplicação de éticas sobre ela sem, no entanto, impedir o avanço tecnológico. O que pode causar no meio político? Há preciso regulamentar?
Tathiana: É fundamental. A desinformação é algo presente em campanhas eleitorais. Desinformação não é apenas mentir. É método de construção de realidade. É preciso ter algum tipo de regulamentação. Aquela máxima de que “Uma imagem fala mais do que mil palavras” não é mais verdade.
DS: Episódios recentes no Brasil mostraram que existem certo risco à democracia. Na sua opinião, ela está totalmente consolidada e sustentada, apesar de ameaças?
Tathiana: Sempre há ameaças. A democracia é uma invenção da humanidade: uma forma de organizar as nossas questões. Tivemos período de ditaduras longas. A democracia é muito jovem. Por ser muito jovem está suscetível. O risco do autoritarismo sempre está presente. Como se cria proteções? Uma delas é discutir de forma transparente e ampla com a sociedade. Outra coisa é não ter impunidade (contra ataques). A pessoa sentir que não pode infringir. Há uma frase no senso comum que diz que política, religião e futebol não se discutem. Futebol e religião tudo bem. Cada um escolhe os seus. A política não é escolha individual, é coletiva. Precisa ser discutida. Não quer dizer que a gente vai brigar, mas podemos debater.