Há indícios, inclusive, da existência de um quilombo estão presentes em parque da cidade. Neste sábado (13), a Lei Áurea completa 135 anos. Casarão em Salesópolis que recebia comércio de mercadorias, inclusive, de escravizados
João Belarmino/ TV Diário
Um casarão em Salesópolis é parte da história dos negros trazidos à força da África para serem escravizados. No local eles eram vendidos junto com outras mercadorias depois de percorrerem um longo caminho vindos do Litoral Norte. No dia em que a Lei Áurea completa 135 anos o g1 conta uma parte dessa história.
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No mesmo território, que na época pertencia a Mogi das Cruzes, indícios apontam a existência de um quilombo na época da escravidão. Graças ao interesse de pesquisadores é possível contar uma pequena parte da história dos escravizados em Mogi das Cruzes e região, já que nos livros de história os negros têm pouco ou quase nenhum destaque.
Nos documentos do Arquivo Histórico de Mogi das Cruzes, uma cidade de 462 anos, os registros sobre os escravizados são mínimos. Por isso reportar como viveram esses escravizados que ajudaram a construir e influenciaram a cultura do Brasil ainda é um desafio.
Os negros não tiveram direito de estudar ao longo dos três séculos de escravidão. A grande maioria sequer era alfabetizada. Por isso, muitas vezes a história é contada graças à oralidade, das histórias que passaram de geração em geração.
Rota Dória
O geógrafo Alexandre da Silva pesquisou sobre a Rota Dória para um trabalho de graduação em geografia na Universidade de São Paulo. Ele conta que o caminho do século 19 partia de São Sebastião no Litoral Norte e chegava até Salesópolis. “Quando subiam a Serra [do Mar] era Salesópolis que estava no alto da serra e em Salesópolis formou um mercado de escravizados. O Senzala [casarão que recebia esse comércio e hoje tem esse nome] nessa época era um entreposto comercial de várias mercadorias. Café expandia para o Norte, fazendas em Ribeirão Preto compravam escravizados no Senzala”, explica Silva.
Rota Dória está dentro do Parque da Serra do Mar
Núcleo Padre Dória – Parque Estadual da Serra do Mar/Acervo
No Parque Estadual da Serra do Mar, que tem a entrada em Salesópolis, é possível conhecer mais sobre essa história. Na área está a Capela de São Lourenço que fica em uma trilha que ligava a Barra do Una à então Paragem do Paraibuna e à Vila de Jacareí. Ela fica no limite entre Salesópolis e Paraibuna.
Em 1832, Manoel Faria Dória transformou a antiga trilha em estrada. A via trouxe muito desenvolvimento para as regiões serra acima. Com a morte do padre Dória a estrada é fechada e começa a ser usada clandestinamente para o tráfico de escravizados africanos.
Quilombo
O geógrafo Alexandre da Silva aponta que, durante a pesquisa, encontrou em mapas alguns indícios que apontam que a região da Capela de São Lourenço pode ter abrigado um quilombo. “Não tem evidência de história, só menção em mapas. Sabemos que existiu por uma referência ou outra, mas não temos detalhes, por exemplo, de como eram as moradias, como eles se articulavam. É uma história que se apagou.”
Rota Dória virou trilha no Parque da Serra do Mar
Núcleo Padre Dória – Parque Estadual da Serra do Mar/Acervo
Uma das referências que apontam para a existência do quilombo no território de Salesópolis é a reprodução de um documento em uma placa no Parque da Serra do Mar que fala sobre a Capela de São Lourenço e a Rota Dória. “O abaixo-assinado declara que é senhor e possuidor de uma sorte de terras de cultura no município desta Villa de Santo Antonio do Parahybuna, sito no lugar denominado Quilombo, no Lourenço Velho (…) nos sertões do Rio Pardo cruzando a estrada chamada de padre Dória (…).”
Memórias da escravidão
Vivendo em um quilombo em São Luís do Maranhão, o historiador, filósofo e teólogo Guilherme Botelho Júnior, de 80 anos, guarda na memória as histórias contadas pela avó Maria Rita do Prado Teixeira, que foi escravizada e percorreu a Rota Dória, chegando ao Casarão Senzala em Salesópolis.
Maria Rita do Prado percorreu a Rota Dória quando era uma criança escravizada
Guilherme Botelho/Arquivo Pessoal
Ele conta que a avó morreu aos 125 anos, em Ribeiro Preto, onde chegou depois de uma longa viagem que começou no Rio de Janeiro. Botelho lembra que os ancestrais da avó eram de Moçambique e que ela já nasceu escravizada no Brasil.
De acordo com o historiador, ainda criança Maria Rita foi colocada em um barco no Rio de Janeiro e veio para São Paulo. Chegou em Ilha Bela e depois voltou para o continente, em São Sebastião.
“Em São Sebastião havia um entreposto de escravizados que pertencia aos jesuítas, muitos dizem que era uma senzala e que os negros tinham relação com negras para produzir mais escravizados. Ela ficou entre 15 dias e um mês no local e depois foi levada pela Rota Dória e, por esse caminho, até Salesópolis . Dali seguiu para Jacareí/São José dos Campos e por uma estrada até Campinas e, depois, até Ribeirão Preto.”
O historiador detalha que a avó vivia em meio à casa grande, brincando com os filhos dos senhores e não chegou a fazer trabalhos forçados. Ele calcula que no momento da Abolição da Escravidão a avó tinha entre 10 anos a 11 anos. “Ela dizia que sofreu muito porque era proibido que negros e negras frequentassem a escola. Ela foi ensinada a ler por uma menina que vivia com ela. No fim da vida não conseguia mais escrever, mas lia o jornal todos os dias.”
Botelho nasceu no bairro do Bixiga, na cidade de São Paulo, mas morou em Ribeirão Preto até os 12 anos. Ele destaca que, na medida em que ia crescendo, sempre ia passar feriados e férias com a avó.
Botelho diz que após a abolição, ela continuou trabalhando na mesma casa. “Ela prestava serviço e, dessa forma, levava sustento para casa. Porque infelizmente o homem negro não conseguia emprego na zona cafeeira por terem colocado tanto italiano. Os negros que não receberam nada no processo da Lei Áurea ficaram desempregados e não houve compensação pelos 400 anos de escravização. As mulheres que mantinham a casa. Eles morriam de fome ou nas prisões. Se eram encontrados na rua, eram presos por vadiagem.”
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