Talentos pretos são resistência na arte independente do Alto Tietê


Rap, samba e dança são ferramentas de artistas para mostrar cultura negra e fortalecer a luta de combate ao racismo estrutural. Dia da Consciência Negra é celebrado nesta segunda-feira. ‘Mogi Art Fest’ que ocorreu em 2022, espaço que artistas independentes se apresentaram em Mogi das Cruzes
Reprodução/Emy Fissão
Samba, rap, hip hop, blues, rock and roll são alguns dos ritmos originados da musicalidade ancestral que veio da África. No Brasil os negros escravizados deram som e cor a cultura do País.
A cultura negra por muito tempo foi marginalizada e mantida na periferia das cidades onde a população preta foi e ainda é segregada por herança da escravização e de uma abolição feita sem igualdade de direitos.
✅ Clique para seguir o canal do g1 Mogi das Cruzes e Suzano no WhatsApp
Apesar da história de perseguição e apagamento cultural, muitos artistas pretos conseguiram retomar sua identidade, utilizando a arte como ferramenta para o autoconhecimento e reafirmando tradições. E isso reflete também na cena cultural do Alto Tietê.
Em Mogi das Cruzes artistas negros lutam para manter viva a cultura de seus ancestrais. Do samba ao rap a resistência da arte mostra ao público a riqueza da herança africana que a cada dia ganha novas roupagens na cena musical da cidade.
No Dia da Consciência Negra, comemorado nesta segunda-feira (20) e que enfatiza a importância da luta antirracista, o g1 apresenta o perfil de alguns artistas independentes de Mogi das Cruzes que transformam a ancestralidade em um ato de força e resistência.
“A nossa luta não vem de agora, vem de séculos. O Dia da Consciência Negra é todo dia. É quando você acorda, quando você dá bom dia para seus filhos, quando leva eles à escola, quando você educa eles dentro de casa, quando você prepara eles para o dia a dia, mas não esquecendo das raízes, de tudo o que vem de anos atrás, de tudo o que nossos ancestrais sofreram”, afirma Ednei Dias, mais conhecido na cena cultural de Mogi das Cruzes como Emy Rap. O artista começou a jornada no rap aos 18 anos..
Valéria Custódio é cantora, compositora e produtora cultural de Mogi das Cruzes. Ela ressalta que os artistas negros precisam de mais visibilidade. Especialmente em eventos dedicados ao Dia da Consciência Negra.
“Nessa programação de culturas pretas por exemplo, não tem o apoio e reconhecimento necessário da sociedade. Seria muito importante trazer artistas pretos de renome para potencializar o festival e chamar o público”, finalizou.
Grupo Fissão Nuclear – Emy Rap
Emy se apresentando pelo grupo Fissão Nuclear
Reprodução/Danilo Duvilierz
Ednei Dias, conhecido como Emy Rap, é um dos criadores do grupo de rap Fissão Nuclear. Ele conta que o grupo existe desde a década de 90, com mudanças de integrantes e nome, mas sem perder a essência. O artista conta que começou a jornada no rap aos 18 anos, mas o amor pelo gênero apareceu bem antes.
“Minha primeira inspiração foi meu tio Antônio Marcos. Ele ouvia black music e abria rodas de dança para mim quando eu era pequeno. Já quando eu tinha 15 anos fui no meu primeiro show do Racionais MC’s e fiquei frente a frente com o Edi Rock, ele interagiu comigo e foi nesse momento que eu pensei que também queria fazer isso.”
Leia Também
Consciência Negra: cidades do Alto Tietê têm programação gratuita no mês de novembro; veja a programação
“Nossa luta não é contra o branco. É por direitos para um povo que construiu esse país”, diz ativista
‘Achei que depois de velha isso não ia acontecer mais’, diz mulher que denuncia racismo em loja na Grande SP
Rota clandestina e entreposto comercial de escravizados: a história do Brasil que passa por Salesópolis
Abolição da escravidão em 1888 foi votada pela elite evitando a reforma agrária, diz historiador
Abolição da escravatura: passados 134 anos, negros ainda lutam por direitos e protagonismo no Brasil
Da esquerda para a direita, os integrantes da antiga formação do grupo conhecido como ‘SDP A QUADRILHA’: Uson, Mano Mack, Emy Fissão e Veco’c
Reprodução/ Emy Fissão
Emy conta que, quando decidiu entrar para o mundo artístico, sofreu muito preconceito por escolher o rap – um gênero que é marginalizado – para se expressar. “É muito complicado ser artista aqui. Parece que a cena só funciona se os próprios artistas se reunirem para fazer acontecer. É tudo muito burocrático”, relata.
“Eu fiz e faço isso por amor, nunca por dinheiro. Meu objetivo é resgatar e salvar vidas. Eu cresci em meio a violência, crime, assassinato e perdi muitos amigos. Hoje eu estou podendo colher frutos que plantei… Mas eles não estão aqui para comer comigo. Hoje sou casado, pai de dois filhos, acredito na causa, acredito que ela seja justa e acredito que temos que permanecer sonhando. Quem não sonha acaba morrendo”, conclui.
Grupo Samba do Chefe – Herbert
Herbert é o responsável pelo ‘Samba do Herbert’ que faz encontros em Mogi há 12 anos
Reprodução/Samba do Hebert
O samba do Herbert acontece em Mogi das Cruzes há 12 anos, sendo um dos principais projetos duradouros de samba e percussão na cidade. A roda de samba tem como objetivo acolher o povo preto periférico para que eles reencontrem as raízes na arte independente, mesclando religiões de matrizes africanas.
Herbert da Costa conta que sempre foi incentivado pelo ritmo afro-brasileiro “Minha inspiração vem de dentro da minha casa, pois meus pais sempre foram muito festeiros e tiveram um baile por 13 anos aqui em Mogi, onde eu também trabalhava. Sempre fui apaixonado pelos sambas de roda e sempre tive um sonho de fazer o meu, de uma forma que fortalecesse também a luta racial e que pudesse ajudar o povo periférico”, conta.
Conhecido como quilombo mogiano, Ponte Grande, em Mogi, é local onde ocorre as rodas de samba
Reprodução/Samba do Herbert
“Nossa cultura é muito mal explorada. Tivemos que aprender a nos virar com o que temos, o que torna mais difícil a luta para alcançarmos nossos objetivos. Mas te digo: o samba do Herbert está conseguindo dar um passinho para frente nessa questão”.
Para o sambista, o Dia da Consciência Negra tem extrema importância para artistas pretos independentes, pois é uma conquista, um reconhecimento de toda a luta, dor e lágrimas. Ele afirma que a data traz uma visão mais aberta da sociedade para a cultura e religião afro.
DJ Cadu – Instituto Bust a Move
Além de DJ, Cadú também é dançarino, fez aulas de ballet, bolero entre outras danças para se especializar
Reprodução/Cadú Araújo
Carlos Araújo, o Cadú, relata que sua primeira apresentação foi ao som de Summer Nights do filme “Grease”, em 1996. “Antes disso dançava escondido da minha mãe na escola. Eu nunca era selecionado para nada nessa época. A escola que eu estudava era muito racista, só tinha eu de negro lá. Fui escolhido para dançar em uma apresentação só porque um menino branco tinha faltado.”
Entre suas maiores inspirações artísticas estão Michel Jackson, com a dança e música, e, em vivências, James Brown. “Mas o maior cara que me inspiro, sempre foi e sempre será Jesus Cristo, nos momentos em que eu mais estava perdido, quando minha família estava precisando de ajuda, era Ele”, afirma.
Cadú lembra que em 2003, entrou em um grupo profissional de dança e se especializou em ballet, bolero, merengue entre outros. Também foi nessa época que ele tirou o DRT (documento que diferencia bailarinos profissionais de amadores) e começou a dar aulas. “Em 2015, eu construí um espaço físico, o Instituto Bust a Move, projeto social para crianças e adultos. Anos depois, comecei a tocar como DJ” conta.
Instituto Bust Muve em Mogi das Cruzes realiza projetos sociais com crianças e adultos mesclando educação e cultura
Reprodução/Cadú Araújo
Cadú destaca que ter um projeto social sempre foi o sonho dele. Apesar das dificuldades, os pais dos alunos que fazem parte do instituto sempre o auxiliaram e deram apoio para continuar. “Estamos lutando por patrocínio, estamos lutando por apoio, estamos lutando por visibilidade, é muito difícil e complicado.”
“Vejo comentários sobre não ter o ‘dia da consciência branca’, só porque tem o Dia da Consciência Negra. Brancos não passam e nunca vão passar pelo que a gente passa. É sobre ir em uma loja e ser seguido pelo segurança, é da criança ser zoada por ter o cabelo crespo, é dos meninos e meninas que crescem com vergonha da boca e do nariz que têm. Essa data serve para lembrarmos de tudo isso. Não é vitimismo. Não podemos nos fazer de bobos. Os pretos estão aqui e somos maioria”, citou.
*estagiária sob supervisão de Gladys Peixoto
Assista a mais notícias sobre o Alto Tietê

Adicionar aos favoritos o Link permanente.